Quinta-feira, 25 de Fevereiro de 2016
Filme "O Silêncio" do Cambedo - Estreia hoje

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Vista geral do Cambedo desde a fronteira com a Galiza

 

I

Hoje às 18H30, no Museu do Aljube – Resistência e Liberdade, estreia o filme “ O Silêncio”, de António Loja Neves e José Alves Pereira. A notícia até poderia passar à margem dos nossos interesses se “O Silêncio” do filme não fosse o do povo do Cambedo, aldeia do nosso concelho.

 

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Só lamento que Lisboa ainda continue tão distante e não poder estar presente para a estreia, mas espero um dia poder vê-lo, e de preferência aqui, em Chaves, com o povo do Cambedo por companhia.

 

Cambedo e acontecimentos de 1946 que desde que os descobri têm sido para mim uma paixão.

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Cambedo, casa destruida em 1946 com Arlindo Espírito Santo

 

II

Já o contei aqui no blog, mas nunca é demais repetir aquilo que em nós desperta paixões. Tudo começa nos anos 60, era eu um puto no decorrer dos meus 6, 7 ou 8 anos. Em casa ainda não havia televisão e se de verão as noites convidavam a brincadeiras de rua com os putos da minha idade, durante o inverno recolhíamos à família reunida à volta do conforto da lareira. Invariavelmente depois de se falar de tudo um pouco os meus pais faziam regressos ao passado de Montalegre, sobretudo a histórias reais do tempo da Guerra Civil espanhola e do pós guerra. De vez em quando de entre essas histórias comentavam-se crimes de sangue, mortes, assaltos, medo…era sempre o Juan e o bando dele que atormentava essas histórias. O Juan, nesses filmes, era sempre o mau da fita. Com o tempo cresci, a televisão apareceu em casa, a lareira foi substituída por aquecedores e o conto de histórias foi ficando esquecido por outros interesses. Passados 20 anos alguém me fala de um livro com o conselho de que o deveria ler, porque era muito bom e falava do Barroso. Dava pelo título de “Lobo Guerrilheiro” de autoria de Bento da Cruz. Comprei o livro e pus-me a lê-lo e só não o li de uma assentada porque outras obrigações mo impediram, mas regressei à leitura no dia seguinte para a concluir. Então não é que todas as histórias que eu tinha ouvido em puto à lareira estavam ali reunidas recorrendo ao romance como fio condutor e elo de ligação entre elas. Histórias verdadeiras contada quase tal-e-qual a minha mãe as contava, com uma exceção – o Juan – que no “Lobo Guerrilheiro” despia o papel de mau da fita para ser mais uma vítima da guerra civil espanhola, um bode expiatório dela. E é aqui que me surge o Juan e o Cambedo juntos quando no “Lobo Guerrilheiro” se fala da morte dele no Cambedo. Nesta altura já estava eu nos meus vinte e poucos anos e fiquei surpreendido por em Chaves nunca ter ouvido falar na morte do Juan no Cambedo e muito menos dos acontecimentos de 1946 decorridos nessa aldeia – uma vergonha… como me repetia um dos seus habitantes.

 

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Demétrio "O Pedro" o único guerrilheiro que sobreviveu no Cambedo em 1946

Preso pela PIDE e enviado para o degredo durante mais de 20 anos

após libertado refugiou-se me França

 

 

III

 

Iniciava-se o ano de 2005 e na ressaca de uma passagem de ano, numa volta pela internet descobri um anuncia que dizia: “Faça aqui o seu blog em três passos”, e fiz. Dei-lhe o nome de “Chaves, olhares sobre a cidade” e comecei a aventura que ainda hoje dura. Com o tempo senti a necessidade de alargar os olhares do blog às aldeias do concelho de Chaves, na qual também estava o Cambedo e de novo vem o Juan à baila e os acontecimentos de 1946 dos quais eu ainda pouco sabia. Claro que a minha abordagem ao Cambedo não podia ser leviana. O que por lá eu supunha ter acontecido era sério demais. Assim tive que encontrar uma porta de entrada na aldeia, não porque a desconhecesse, pois já lá tinha estado por várias vezes, mas porque sempre que lá estive nunca ninguém me comentou os acontecimentos de 1946 , nem eu os abordei porque nem sequer tinha matéria para iniciar uma conversa sobre o assunto. Comecei então por reunir todos os livros que pude sobre a guerrilha antifranquista e no entretanto arranjei um passaporte de entrada – O Sebastião Salgado – que por coincidência tínhamos muitos, e bons amigos, em comum. Mas desde logo me pôs à vontade para me dizer que não era a pessoa indicada para me falar do assunto, “daquela vergonha”, pois à data dos acontecimentos ele rondava os 10 anos de idade e tinha uma imagem deturpada dos acontecimentos. Mas havia pessoas na aldeia que sabiam coisas e que havia um trabalho publicado sobre os acontecimentos de autoria de Paula Godinho, que viveu na aldeia durante uma longa temporada, falou com pessoas envolvidas na primeira pessoa e fez um trabalho sério sobre o assunto.

 

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Mulheres do Cambedo, uma delas ferida com um tiro em 1946

 

Deixo agora esta fotografia que bem poderia intitular de “As sombras do Cambedo” que vão muito além dos silêncios e que servirá de mote para concluir, pois hoje o que interessa mesmo é o filme “O Silêncio”. Então na visitas que ia fazendo à aldeia pouco ou nada consegui para além de algumas fotografias, pois a grande maioria dos atuais habitantes eram todos crianças na altura dos acontecimentos e pouco sabiam ... Os que sabiam ou já tinham morrido ou estavam fora… mas iam-me dizendo que as pessoas ainda tinham vergonha de falar daquilo. Posteriormente fiz algumas tentativas de saber alguma coisa do outro lado da Raia, em Casas dos Montes, aldeia galega a três quilómetros do Cambedo e terra natal do Juam, mas se no Cambedo preferiam os silêncios em Casas dos Montes sente-se que é proibido falar de tal coisa, nem sequer conheciam o Juan…, mas o referido trabalho de Paula Godinho, publicado na Revista História, os restantes livros e muita documentação que fui retirando da imprensa da altura dos acontecimentos e ao longo dos anos, foi dando para começar a esboçar um trabalho mais sério sobre a aldeia do Cambedo e os acontecimentos de 1946. Aliás com o burilar da documentação fui-me dando conta que além dos silêncios havia também muitas sombras sobre o assunto e muita coisa ainda por esclarecer. Mas passados dois anos e meio de trabalho senti-me então em condições de fazer uma abordagem séria ao Cambedo e aos seus acontecimentos, trabalho que além de publicado neste blog, entendi que deveria ter um espaço próprio e aberto no tempo para reunir e divulgar toda a informação possível – é o Cambedo-Maquis que em 22 de agosto de 2007 eu anunciava estar em construção para em dezembro do mesmo ano começar as publicações a sério de modo a fazer coincidir a história dos acontecimentos com o seu dia de aniversário.

 

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Rua Principal do Cambedo - Ao fundo casa destruída com os bombardeamentos de 1946

 

IV

Curiosamente o blog Cambedo-Maquis proporcionou outras surpreendentes descobertas, algumas delas que ainda não amaduraram para virem a público. Trata-se de outras faces da história que hoje passados 70 anos sobre os acontecimentos são contada pelos netos dos envolvidos nos acontecimentos, de ambas as partes e de como os a descoberta do Cambedo vai fazendo luz nas suas memórias. Mas também alguns historiadores locais me vão dizendo que “aquilo” não foi bem como se conta. Certo, certo é que em Chaves pouco se tem contado sobre o assunto e se alguma coisa se vai dizendo sobre ele é graças a trabalhos como o da Paula Godinho, de Bento da Cruz, do filme que hoje se estreia em Lisboa, de outros documentários e trabalhos que a imprensa nacional de vez em quando se lembra de fazer, sem esquecer alguns galegos que tudo têm feito para dar luz aos acontecimentos e que já tiveram a coragem de reconhecer a dor do Povo do Cambedo e pedir-lhes perdão, coisa que do lado português nunca aconteceu, nem sequer por parte do município de Chaves que lá, no Cambedo, é como se nada tivesse acontecido ou como já alguém uma vez me disse, foi “uma coisa que para a história de Chaves não tem importância nenhuma”

 

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Homens do Cambedo que em 1946 eram crianças com cerca de 10 anos

 

V

 

Para terminar ficam as palavras de Paula Godinho sobre o filme “O Silêncio”:

 

No comovente filme de António Loja Neves e José Manuel Alves Pereira "O Silêncio", um homem desfia um sofrimento longo, a partir dum acontecimento que viveu com 16 anos e que lhe mudou a vida. Trata-se de Arlindo Espírito Santo, que viu grande parte da sua família ser presa em Dezembro de 1946, na aldeia de Cambedo da Raia, no concelho de Chaves, encostada à Galiza. Ali decorreu um episódio sangrento e tardio, ainda em resultado do golpe franquista em 18 de Julho de 1936.

 

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Sargento Cruz, um dos rostos do filme e que em 1946 integrava o exército que bombardeou o Cambedo

Fotos retiradas do Evento no facebook do filme “O Silêncio”


A aldeia, cercada pela Guardia Civil, pelo Exército português, pela PIDE e pela GNR, foi atingida com vários tiros de morteiro no dia 21 de Dezembro. Dois guerrilheiros morreram, um provavelmente por suicídio para evitar a captura, uma criança foi ferida e foram destruídas várias habitações, porque ali se haviam refugiado desde a guerra civil alguns galegos até este momento de perseguição final ao seu grupo, em 1946.

 

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Arlindo Espírito Santo, um dos rostos do filme e que em 1946 (então criança) vivia com a família na casa em frente onde se abrigavam Demétrio e Garcia - O Pai. agente da Guarda Fiscal, após os acontecimentos foi expulso da mesma.

Fotos retiradas do Evento no facebook do filme “O Silêncio”

 

 


A povoação de Cambedo da Raia perderá por mais de um ano 18 dos seus habitantes, presos no Porto preventivamente, até ao julgamento, que teve lugar em Dezembro de 1947. Por longo tempo este assunto permaneceu interdito, com os fascismos ibéricos a imporem a sua versão. Os habitantes de Cambedo arrastaram por dezenas de anos a reputação de malfeitores ou de acoitantes de criminosos, labelo que as autoridades lhes colaram. Alguns não indicavam a aldeia de nascimento em documentos, mas antes a sede de freguesia, para evitar o opróbrio que lhe estava associado. Em Dezembro de 2006, numa acção cívica levada a cabo por um conjunto de intelectuais galegos, resgatou-se a memória da solidariedade raiana e com ela a auto-estima local. Foi então aposta uma placa no centro da aldeia: “En lembranza do voso sufrimento (1946-1996)”.

 

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O filme recolhe o depoimento das pessoas da aldeia que ficaram 50 anos obrigadas ao silêncio, sem poderem falar deste episódio trágico.

 

Fica também um link para o evento onde poderá acompanhar o lançamento de “O Silêncio”:

https://www.facebook.com/events/1655215854743899/1655252561406895/

 

 

 

 

 



publicado por Fer.Ribeiro às 03:32
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1 comentário:
De Raimundo Narciso a 28 de Fevereiro de 2016 às 16:22
Sou presidente da direcção do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória - NAM. A exibição e o debate com os realizadores e a ntropóloga Paula Godinho (uma grande amiga de Cambedo) no Museu do Aljube foi uma iniciativa do NAM bem acolhida pelo director do museu, o prof e historiador Luís Farinha. A pedido de um natural de Bambedo, Jorge Martins,comuniquei a Loja Neves o seu desejo de exibição do filme em Cambedo e ele garantiu-nos que isso estava previsto.


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